HÁ MUITO TEMPO, QUANDO OS BICHOS FALAVAM E TODA NOITE CHOVIA NO DESERTO,
um velho paxá foi ao palácio saudar o sultão, como todas as manhãs. Na rua, tropeçou na Morte.
- Desculpe - disse.
A Morte ficou muda, olhando o paxá no fundo dos olhos, como se estivesse surpresa. Quando o paxá a reconheceu, saiu apressado, sem olhar para trás. Mas tinha certeza de que a Morte continuava olhando para ele.
Chegou muito nervoso à sala de audiências do sultão:
- Meu caro senhor, nunca pedi nada, mas hoje preciso de um favor. Gostaria de ser nomeado governador. Não importa a cidade, desde que seja bem longe.
O sultão respondeu que não tinha nenhuma cidade precisando de governador. Mas o paxá insistiu. Tanto insistiu que o sultão disse:
- Mas o que há? Todos os seus parentes, todos os seus amigos moram aqui.
- Preciso me esconder.
- Sim, mas por quê? Você tem inimigos, tem?
- Não tenho.
- Então?
O paxá hesitou, mas por fim contou:
- Hoje de manhã, ao sair de casa, tropecei com a Morte. Ela me olhou bem no fundo dos olhos. Me senti muito mal. Não sei se aguento me encontrar com ela outra vez.
O sultão achou que o velho paxá estava caducando. Com pena dele, disse:
- Está certo. Vou mandar você para Kaymakli. É bastante longe?
- Sim, meu senhor.
Naquela mesma madrugada o paxá se foi, em segredo.
No outro dia, pela tarde, o sultão foi passear nos jardins do palácio. A Morte estava embaixo de uma árvore, imóvel, a gadanha na mão direita. Curioso, o sultão se aproximou dela:
- Por que ontem você encarou o paxá?
- Eu estava surpresa por vê-lo tão longe de Kaymakli - a Morte disse.
- Tenho um encontro com ele lá, esta noite.
(Retirado de "Contos de Morte Morrida", p.34-36)
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