quarta-feira, 7 de novembro de 2018

A MORTE E O PAXÁ - CONTO


HÁ MUITO TEMPO, QUANDO OS BICHOS FALAVAM E TODA NOITE CHOVIA NO DESERTO,

um velho paxá foi ao palácio saudar o sultão, como todas as manhãs. Na rua, tropeçou na Morte.


  - Desculpe - disse.
  A  Morte ficou muda, olhando o paxá no fundo dos olhos, como se estivesse surpresa. Quando o paxá a reconheceu, saiu apressado, sem olhar para trás.  Mas tinha certeza de que a Morte continuava olhando para ele.
  Chegou muito nervoso à sala de audiências do sultão:
  - Meu caro senhor, nunca pedi nada, mas hoje preciso de um favor. Gostaria de ser nomeado governador. Não importa a cidade, desde que seja bem longe.
  O sultão respondeu que não tinha nenhuma cidade precisando de governador. Mas o paxá insistiu. Tanto insistiu que o sultão disse:
  - Mas o que há? Todos os seus parentes, todos os seus amigos moram aqui.
  - Preciso me esconder.
  - Sim, mas por quê? Você tem inimigos, tem?
  - Não tenho.
  - Então?
  O paxá hesitou, mas por fim contou:
  - Hoje de manhã, ao sair de casa, tropecei com a Morte. Ela me olhou bem no fundo dos olhos. Me senti muito mal. Não sei se aguento me encontrar com ela outra vez.
  O sultão achou que o velho paxá estava caducando. Com pena dele, disse:
  - Está certo. Vou mandar você para Kaymakli. É bastante longe?
  - Sim, meu senhor.
  Naquela mesma madrugada o paxá se foi, em segredo.
  No outro dia, pela tarde, o sultão foi passear nos jardins do palácio. A Morte estava embaixo de uma árvore, imóvel, a gadanha na mão direita. Curioso, o sultão se aproximou dela:
  - Por que ontem você encarou o paxá?
  - Eu estava surpresa por vê-lo tão longe de Kaymakli - a Morte disse.
  - Tenho um encontro com ele lá, esta noite.

(Retirado de "Contos de Morte Morrida", p.34-36)

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