Dois
príncipes, um louro, e um moreno. Irmãos, mas os olhos de um azuis, e os do
outro verdes. E tão diferentes nos gostos e nos sorrisos, que ninguém os diria
filhos do mesmo pai, rei que igualmente os amava.
Sofria o pai com o sofrimento dos filhos. Querendo ajudá-los, pensou um dia que melhor seria dividir o reino, para que não viessem a lutar depois da sua morte.
De tudo o que tinha, deu o céu para seu filho louro, que governasse junto ao sol brilhante como seus cabelos. E entregou-lhe pelas rédeas um cavalo alado.
Ao moreno coube o verde mar, reflexo de seus olhos. E um cavalo marinho.
O primeiro filho montou na garupa lisa, entre as asas brancas. O segundo filho firmou-se nas costas ásperas do hipocampo. A cada um, seu reino.
Mas as
pernas que roçavam em plumas esporearam o cavalo para baixo, em direção às
cristas das ondas. E os joelhos que apertavam os flancos molhados ordenaram que
subisse, junto à tona.
Do ar,
o príncipe das nuvens olhou através do seu reflexo, procurando a figura do
irmão nas profundezas.
Da água, o jovem senhor das vagas quebrou com seu
olhar a lâmina da superfície procurando a silhueta do irmão.
O de cima sentiu calor, e desejou ter o mar para si,
certo de que nada o faria mais feliz do que mergulhar no seu frescor.
O de baixo sentiu frio, e quis possuir o céu, certo de
que nada o faria mais feliz do que voar na sua mornança.
Então emergiu o focinho do cavalo
marinho e molharam-se as patas do cavalo alado.
Soprando entre as mãos em
concha os dois irmãos lançaram seu desafio. Alinhariam os cavalos na beira da
areia e partiriam para a linha do horizonte. Quem chegasse primeiro ficaria com
o reino do outro.
– A corrida será longa, – pensou o primeiro. E fez uma carruagem de nuvens que atrelou ao seu cavalo.
– Demoraremos a chegar, – pensou o segundo. E prendeu com algas uma carruagem de espumas nas costas do hipocampo.
Partiram juntos. Silêncio na água. No ar, relinchos e
voltear de plumas. Longe, a linha de chegada dividindo os dois reinos.
– A corrida será longa, – pensou o primeiro. E fez uma carruagem de nuvens que atrelou ao seu cavalo.
– Demoraremos a chegar, – pensou o segundo. E prendeu com algas uma carruagem de espumas nas costas do hipocampo.
Os raios de sol passavam pela carruagem de nuvens e
desciam até a carruagem de espumas. Durante todo o dia acompanharam a corrida.
Depois brilhou a lua, a leve sombra de um cobriu o outro de norte mais
profunda. E quando o sol outra vez trouxe sua luz, surpreendeu-se de ver o
cavalo alado exatamente acima do cavalo marinho. Tão acima como se, desde a
partida, não tivessem saído do lugar. Galopava o tempo, veloz como os irmãos.
Mas a linha do horizonte continuava igualmente
distante. O sol chegava até ela. A lua chegava até ela. Até os albatrozes
pareciam alcançá-la no seu voo. Só os dois irmãos não conseguiam se aproximar.
De tanto correr já se
esgarçavam as nuvens da carruagem alada, e a espuma da carruagem marinha desfazia-se
em ondas. Mas os dois irmãos não desistiam, porque nessa segunda coisa também
eram iguais, no desejo de vencer.
Até que a linha do horizonte
teve pena. E devagar, sem deixar perceber, foi chegando perto. A linha chegou
perto. E chegou perto.
Baixou seu voo o cavalo alado, quase
tocando o reflexo. Aflorou o cavalo marinho entre marolas. As plumas, espumas
se tocaram. Céu e mar cada vez mais próximos confundiram seus azuis, igualaram
suas transparências. E as
asas brancas do cavalo alado, pesadas de sal, entregaram-se à água, a crina
branca roçando já o pescoço do hipocampo. Desfez-se a carruagem de nuvens na
crista da última onda. Onda que inchou, rolou, envolvendo os irmãos num mesmo
abraço, jogando um corpo contra o outro, juntando para sempre aquilo que era
tão separado. Desliza a onda sobre a areia, depositando o vencedor. Na branca
praia do horizonte, onde tudo se encontra, avança agora um único príncipe, dono
do céu e do mar. De olhos e cabelos castanhos, feliz enfim.
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